sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

PRESENTE DE NATAL


     A família do meu avô, como quase todas as demais de antigamente, era bastante numerosa. Mas seus filhos espalharam-se pelo mundo, o que acabou por transformar seu enorme casario no centro de Fortaleza, no meu castelo particular; a mim, que, àquele tempo, residia na mesma cidade e frequentava muito a quase sempre esvaziada vivenda.
     Mas, nas férias, a coisa mudava completamente de figura. Os distantes se aproximavam para as festas e a mansarda se enchia de crianças. E, com elas, balbúrdia, algazarra, animação. Tempo mágico, de experimentações e danações, descobrimentos... pura felicidade.
    Próximo ao Natal, a característica árvore se enchia, sob a sua copa, de presentes, de variados tamanhos, formas e cores. 
      E, nós, ávidos por eles, examinávamos-os um a um.
     Aquelas foram as nossas primeiras experimentações de metodologia científica: apalpávamos aquelas caixas, avaliando seus pesos e tamanhos; as balançávamos, tentando adivinhar seus conteúdos e formulávamos hipóteses, emitidas com seriedade incomum por aquele conselho de “especialistas experimentados”. E, em consenso, chegávamos às nossas conclusões, quase sempre depois confirmadas. Um universo descortinado pela intuição.
     Contudo, por mais que tivéssemos convicções à respeito do que dentro deles existisse, não tínhamos como saber a quem se destinavam. A surpresa era, então, a alma do negócio. A nossa expectativa tornava-se a arma dos adultos, letal e sanguinolenta, arrasando pequenos corações aflitos, até o momento crucial de se desfazerem todos aqueles segredos.
     No Natal de 65, entretanto, algo de incomum veio se acrescentar ao mundo dos invólucros misteriosos. Entre os presentes havia um Posto de Gasolina. De proporções um pouco mais avantajadas, não foi embalado por aqueles papéis coloridos que serviam de cortina às nossas curiosidades e, sem eles, mostrava-se por inteiro, despertando a cobiça de vários pares de olhos ambiciosos e faiscantes. 
     A vontade velada, todavia, não suscitou disputas desnecessárias: a propriedade daquele objeto de desejo comum estava sacramentada e somente o destino poderia apontar quem seria o beneficiado.
     E, para o meu estupefato espanto, a mim, numa dessas inesquecíveis alegrias pueris, me coube a ambicionada prenda.
     Me recordo brincando com ele, depois, muitas e muitas vezes, no jardim da nossa casa na Praia de Iracema: abastecendo veículos, fazendo manobras nas suas rampas, determinando o seu bom funcionamento.
     Como poderia imaginar que, por uma destas voltas que a vida dá, tornaria a proceder de igual maneira na vida real e hoje vivenciar as mesmíssimas situações?
     Não sei responder. Perguntem ao Papai Noel!

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