quarta-feira, 7 de julho de 2010

Pro dia nascer feliz...

"O tempo não para", entoam pessoas a bela canção do grande poeta.
Mas, no dito popular, o tempo não corre, voa.
A verdade, pasmem, é que hoje faz vinte anos que Cazuza se foi.
E pra homenageá-lo, resolví postar um texto escrito há tempos atrás.
Meu co-cunhado recebeu, via net, o texto de uma psicóloga, que transcrevo logo abaixo. Como fã incondicional de Cazuza, meu pediu para escrever uma resposta, mostrando que uma coisa é uma coisa e outra...
Foi o que fiz (ou pelo menos tentei).

Uma psicóloga que assistiu o filme Cazuza escreveu o seguinte
texto:
A VERDADE SOBRE CAZUZA.
"Fui ver o filme Cazuza há alguns dias e me deparei com uma
coisa estarrecedora: as pessoas estão cultivando ídolos errados.
Como podemos cultivar um ídolo como Cazuza? Concordo que suas
letras são muito tocantes, mas reverenciar um marginal como ele, é,
no mínimo, inadmissível.
Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem
da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao
menos eu) com conceitos de certo e errado. No filme, vi um rapaz
mimado, filhinho de Papai que nunca precisou trabalhar para
conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer
as suas vontades e loucuras. O pai preferiu se afastar das suas
responsabilidades e deixou a vida correr solta. São esses pais que
devemos ter como exemplo?
Cazuza só começou a gravar porque o pai era diretor de uma
grande gravadora. Existem vários talentos que não são revelados por
falta de oportunidade ou por não terem algum conhecido importante.
Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro,
admitiu que ele trouxe drogas da Inglaterra, um verdadeiro
criminoso. Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a
única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um
nasceu na zona sul e outro não.
Fiquei horrorizada com o culto que fizeram a esse rapaz,
principalmente por minha filha adolescente ter visto o filme.
Precisei conversar muito para que ela não começasse a pensar que
usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas
fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou.
Por que não são feitos filmes de pessoas realmente
importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão
transviada? Será que ser correto não dá Ibope, não rende
bilheteria? Como ensina o comercial da Fiat, precisamos rever
nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor.
Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi conseqüência
da educação errônea a que foi submetido. Será que Cazuza teria
morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissessem NÃO
quando necessário?
LEMBREM-SE: DIZER "NÃO" É A PROVA MAIS DIFÍCIL DE AMOR.
Não deixem seus filhos à revelia para que não precisem se
arrepender mais tarde. A principal função dos pais é educar. Não se
preocupem em ser amigo de seus filhos. Eduque-os e mais tarde eles
verão que você foi a pessoa que mais os amou e foi, é, e sempre
será, o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre."

Karla Christine - Psicóloga Clínica




¨O olho é apenas um vértice de angulo onde convergem as multidões sensoriais da estética.
Por si só o olho vê o que existe na dimensionalidade relativa ao observador.
As dimensões variam e se ampliam com a sensibilidade de quem olha¨.
(Câmara Cascudo)


Não gostaria de incorrer no mesmo desastroso erro de interpretação ao qual a psicóloga clínica Karla Christine se submeteu ao analisar, de forma resumidíssima e com uma parcialidade assustadora, vida e obra do grande poeta, cantor e compositor carioca Agenor Miranda de Araújo Netto, no seu malfadado texto ¨A verdade sobre Cazuza¨.

A espécie humana coexiste em universos cujas dimensões somente conseguem ser quantificadas através da tradução dos seus próprios sentidos. Por isso as escalas que determinam as diferenças nas nossas diversas realidades, se fazem através das comparações de valores absolutos e antagônicos, da enunciação dos contrastes. É assim entre o claro e o escuro; ou com o grande e o pequeno; longe ou perto; certo ou errado; verdade ou mentira. Tudo é tão relativo! Com minha estatura mediana, poderia, entre pigmeus, ser chamado de gigante; já em uma equipe de basquete da NBA, por exemplo, não passo de um nanico.

A fábula do cego de nascença que, curioso em conhecer a forma de um elefante e colocado ao lado do animal, se abraçou a uma de suas pernas, exclamando com credulidade - ¨o elefante se parece com um coqueiro!¨, exemplifica como uma visão limitada da realidade pode induzir uma pessoa, ainda que bem intencionada, ao erro.

Mister se faz investigar a situação a ser julgada, com sobriedade, sem o ranço cultural que cada um de nós possui individualmente, para somente então emitirmos nossa opinião, na medida do possível, desprovida de tendenciamentos de qualquer espécie: políticos, religiosos, antropológicos, sociológicos... Sem sectarismos e/ou preconceitos.

Ao contrário da psicóloga, não assisti ao filme O Tempo Não Pára (dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho), elogiado pela forma como conseguiu retratar com fidelidade a realidade do artista. Sequer li o livro escrito por sua mãe, coisa que a cronista afirma ter feito. Não fosse a minha estupenda admiração pelo trabalho maravilhoso de Cazuza, desconfiaria que a psicóloga pudesse ser mais fã dele do que eu.

Na minha casa – e na de milhões de brasileiros – existem algumas gravações dele. A mim não interessa que ele tivesse sido chamado de ladrão, de bicha ou maconheiro. Mais que o nome do santo, o que me importa é o milagre! Suas músicas e seus poemas falam por si só. Cazuza é o Noel dos anos 80 e como ele, se tornou vítima da própria genialidade e suas conseqüências nefastas; modificaram-se, como o tempo requer, apenas os agentes: ao invés do álcool e tuberculose, que mataram o poeta da Vila, Cazuza sucumbiu às drogas e à aids.

Entretanto, transgredir contra o establishment não foi privilégio do Cazuza. Os gênios, com o dom que a natureza os dotou, diferem da imensa maioria dos mortais. Se foram favorecidos pela capacidade natural de criar coisas diferentes, por que deveriam agir com a normalidade do povo que ¨tenta construir uma sociedade com conceitos de certo e errado¨?

Certo, D. Karla (na minha opinião, posso estar errado!), seria a sra. se inteirar sobre a veracidade dos acontecimentos.

Cazuza foi, indubitavelmente, um dos maiores poetas musicistas que estas plagas já produziram. Apesar de já versificar desde os dezessete anos, somente começou a gravar um ano após se juntar ao Barão Vermelho – o primeiro disco saiu em 1982. Ezequiel Neves, produtor da Som Livre, a gravadora onde o seu genitor era o presidente, foi quem primeiro conheceu o trabalho do grupo e o apresentou ao Guto Graça Mello, diretor artístico da empresa, que, obviamente, ficou impressionado com a música deles. Seu pai, a princípio, não concordou com a idéia: tinha receio dos comentários por o cantor/compositor da banda ser seu filho (a menção da psicóloga, inclusive, mostra que em parte ele tinha razão); mas acabou cedendo ao bom senso. Mesmo porque o Barão Vermelho já tinha propostas de outras gravadoras. A Som Livre faturou muito com a decisão acertada do Sr. João Araújo.

Acredito que o raro talento de Cazuza forçosamente o impeliria ao estrelato. O fato de sua mãe ser cantora, com a família convivendo em um ambiente musical e seu pai ser presidente da maior gravadora do país, na época, aliado a realidade de sua vida cotidiana, convivendo, dentro da sua própria residência, inclusive, com a nata da produção musical da nação e seus artistas, apenas facilitou o inevitável. Contra o enfatismo da psicóloga, pode-se observar que existem diversos presidentes de gravadoras cujos filhos não sabem poetar, sequer solfejar do-re-mi-fá. O sucesso, como é sabido, vem do talento e através do povo e nunca é produto de indicações ou nepotismo. Elementar, minha cara Karla!

Quanto ao seu desempenho profissional, Cazuza, em nove anos de trabalho, gravou ao todo onze discos, sendo que, na sua carreira solo foram cinco selos durante quatro anos. Media superior à de artistas tarimbados, que conseguem fazer um lançamento anual, quando tanto. É autor de mais de duzentas composições – algumas inesquecíveis. Apresentou-se durante anos em milhares de shows, no Brasil e no exterior. Esse é o perfil de uma pessoa que ¨nunca precisou trabalhar para conseguir nada, que tinha tudo nas mãos¨?

A despeito de, na sua desregrada vida, Cazuza ter se envolvido em algumas ocorrências policiais por porte ilegal de droga - para uso pessoal, o que hoje já não é crime - não me consta que ele fosse um criminoso ou marginal, como adjetivado sem parcimônia pela escritora do texto, dilatando propositalmente o sentido das palavras para adaptá-las a seu objetivo. Seria criminosa uma criatura que não matou, não roubou, não se utilizou de atos ilícitos ou não causou prejuízos a outrem? E marginal (à margem, como ela mesma tenta explicar) uma figura que se inseriu na historia para não mais dela sair, que representou uma geração inteira, que é lembrado em sons, lirismos, filmes, livros e até em textos de certas pessoas com falsos moralismos e sem discernimento?

Quanto ao infeliz comentário do juiz Siro Darlan, é preciso que se diga: gato que nasce dentro do forno, não é pão: é gato! Cazuza nasceu em meio à gente de caráter, mas sua genialidade não se deve a este simples detalhe. Além do que, existe uma diferença abissal entre Cazuza e o famigerado bandido Fernandinho Beira-Mar, este sim, um CRIMINOSO com todas as letras maiúsculas, capaz de matar um semelhante, com requintes de perversidade até, só para, como se diz popularmente, ver a queda. Fernandinho poderia reencarnar, se isso fosse possível, inúmeras vezes e jamais conseguiria, com o seu espírito desvirtuado, ter uma fração, mínima que fosse, da sensibilidade e do talento de Cazuza, o poeta do seu tempo.

Tomara que jamais necessite eu ser julgado por um magistrado ¨tão criterioso e de opinião tão abalizada¨ quanto o meritíssimo juiz acima citado.

Cazuza foi, importante se faz lembrar aos mais esquecidos, a primeira figura publica do país a admitir que era soropositivo, um tremendo tabú para a época, tirando do ostracismo um enorme grupo de doentes que se enfurnavam em suas tocas com medo de mostrar a cara. E acelerando, com sua ousadia, o enfoque sobre o terrível problema social que a aids acabaria se tornando. Que imensa coragem se mostrar inteiro e depauperado à sanha dos reacionários, naquela famosa capa de Veja!

Faltou criteriologia à autora para analisar a película ¨assustadora¨ como se deveria: o exemplo que Cazuza nos deixou, principalmente, é sua excepcional e monumental criação. Seus erros e devaneios, entretanto, também nos servem de modelo, no sentido que podemos conhecer o outro lado e realizar nossas comparações. Há de se levar em consideração a localização espacial dos eventos: o comportamento rebelde de se usar drogas e cometer pequenos delitos, que naquela década causavam espanto ao tradicionalistas, hoje é pratica corriqueira entre crianças de dez ou doze anos. Mudaram os tempos; somente a psicóloga, que continua usando termos como ¨essa juventude tão transviada¨, não notou.

Não consegui definir ao certo o que levou D. Karla Christine a pronunciamento tão radical, não condizente à analítica isenta que sua profissão exige. O texto é carregado de estarrecimentos, inadmissibilidades, conceitos, verdades, afirmações, horrorizamentos, receios, conseqüências. Sua linguagem redundante me faz desconfiar de um sentimento oculto, que HG Wells expõe muito bem, na sua famosa citação: ¨A indignação diante do pecado alheio não passa de inveja com cara de beatitude¨.

Decerto, mais do que qualquer outro motivo, a celeuma causada pela psicóloga se deve, ao meu ver, mais ao protecionismo exagerado dedicado à sua influenciável cria que, incapaz de diferenciar fantasia da realidade, não pode, sob nenhuma hipótese, assistir a um filme do Drácula, sob o risco de virar vampira. Ou ver um desenho do Srek sem sentir o impulso incontrolável de se tornar Fiona. Vai ser preciso muita conversa da psicóloga para mostrar à sua filha adolescente que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa... como diria um queridíssimo conhecido meu.

6 comentários:

  1. Apesar de já conhecer o texto, (lisojeada escrevo isto) adoro a forma madura e convicta da qual você escreve. Fica ai a certeza de muitos.... bjos

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  2. teu consultorio tá cheio de ratos,tuas idéias nao correspondem aos fatos......

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  3. dizes-te tudo , como sempre , não é ...

    esta tua lucidez ,ainda nos vai levar todos ,à loucura , meu nobre e querido amigo ,não sei se é exatamente o teu objetivo , mas que vai vai ...kk

    parafraseando o próprio caju,que à exatos 20 anos subiu aos céus a bradar a plenos pulmões suas certezas, precisamos todos dizer que te amamos !

    estamos por aqui Adauto!

    Pedro

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  4. quanto ao co -cunhado ...bom ...

    deixa para lá ...

    provocações empre foram muito bem aceitas ...kk

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  5. Que bom ler suas ideias e começar com esta ótima opinião, sobre esse famigerado artigo da D. Karla... Valeu Adauto Jr.
    " Na vida tudo é relativo. Um fio de cabelo na cabeça, é pouco. Na sopa, é muito"

    Rildo C. de Oliveira - Manaus - AM

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  6. Em que pese a lucidez do texto do Sr Adauto, nao eh despiciendo o ponto de vista da Sra karla.

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