A família do meu
avô, como quase todas as demais de antigamente, era bastante numerosa.
Mas seus filhos espalharam-se pelo mundo, o que acabou por transformar seu enorme
casario no centro de Fortaleza, no meu castelo particular; a mim, que, àquele
tempo, residia na mesma cidade e frequentava muito a quase sempre esvaziada
vivenda.
Mas, nas férias, a coisa mudava
completamente de figura. Os distantes se aproximavam para as festas e a
mansarda se enchia de crianças. E, com elas, balbúrdia, algazarra, animação.
Tempo mágico, de experimentações e danações, descobrimentos... pura felicidade.
Próximo ao Natal, a característica árvore se enchia, sob a sua copa, de
presentes, de variados tamanhos, formas e cores.
E, nós, ávidos por eles,
examinávamos-os um a um.
Aquelas foram as nossas primeiras
experimentações de metodologia científica: apalpávamos aquelas caixas, avaliando
seus pesos e tamanhos; as balançávamos, tentando adivinhar seus conteúdos e
formulávamos hipóteses, emitidas com seriedade incomum por aquele conselho de “especialistas
experimentados”. E, em consenso, chegávamos às nossas conclusões, quase sempre
depois confirmadas. Um universo descortinado pela intuição.
Contudo, por mais que tivéssemos convicções
à respeito do que dentro deles existisse, não tínhamos como saber a quem se
destinavam. A surpresa era, então, a alma do negócio. A nossa expectativa tornava-se
a arma dos adultos, letal e sanguinolenta, arrasando pequenos corações aflitos,
até o momento crucial de se desfazerem todos aqueles segredos.
No Natal de 65, entretanto, algo de
incomum veio se acrescentar ao mundo dos invólucros misteriosos. Entre os
presentes havia um Posto de Gasolina. De proporções um pouco mais avantajadas,
não foi embalado por aqueles papéis coloridos que serviam de cortina às nossas
curiosidades e, sem eles, mostrava-se por inteiro, despertando a cobiça de
vários pares de olhos ambiciosos e faiscantes.
A vontade velada, todavia, não
suscitou disputas desnecessárias: a propriedade daquele objeto de desejo comum
estava sacramentada e somente o destino poderia apontar quem seria o
beneficiado.
E, para o meu estupefato espanto, a
mim, numa dessas inesquecíveis alegrias pueris, me coube a ambicionada prenda.
Me recordo brincando com ele,
depois, muitas e muitas vezes, no jardim da nossa casa na Praia de Iracema: abastecendo veículos, fazendo manobras nas suas rampas, determinando o seu bom
funcionamento.
Como poderia imaginar que, por uma
destas voltas que a vida dá, tornaria a proceder de igual maneira na vida real
e hoje vivenciar as mesmíssimas situações?
Não sei responder. Perguntem ao
Papai Noel!
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