Fulton Oursler
No dia em que a pequenina Joan Grace abriu a porta de sua loja, Peter Richard era realmente o homem mais solitário da cidade.
Ele tinha herdado de seu avô uma loja de antiguidades. Na vitrina minúscula, apinhavam-se os objetos mais heterogêneos: pulseiras, medalhões do século passado, anéis de ouro, caixinhas de prata, jades e marfins esculpidos, figurinhas de porcelana.
Naquela tarde, uma meninazinha estava diante da vitrina, a testa apoiada no vidro. Seus olhos enormes estudavam atentamente cada um daqueles tesouros, como se procurassem alguma coisa. Por fim, ela endireitou-se, com um ar satisfeito, e entrou na loja.
O interior estava ainda mais atulhado do que a frente. As prateleiras quase desabavam sob o peso das caixinhas de jóias, pistolas antigas, relógios e lâmpadas, enquanto que sobre o assoalho amontoavam-se velhos cães de chaminé, bandolins e toda espécie de velharia bem difícil de catalogar.
Peter estava atrás do balcão. Embora tivesse pouco mais de trinta anos, seus cabelos já estavam grisalhos. Contemplou a menina com um ar tristonho.
- Meu senhor – disse ela – posso olhar de perto o colar de pérolas azuis que está na vitrina?
Peter afastou a cortina e apanhou o objeto. As turquesas brilharam com vivo esplendor na palma da mão que ele estendeu com indiferença para a jovem freguesa.
- Que lindo! – disse a criança. – Faça o favor de fazer um embrulho bem bonito, sim?
Peter examinou-a com um olhar um tanto frio.
- Alguém mandou você buscar esse colar?
- Não. É para minha irmã mais velha. É ela que me cria. É o primeiro Natal que passamos juntas, depois que mamãe morreu. Quero dar-lhe um bonito presente.
- Quanto é que você tem? – perguntou Peter, sem procurar esconder sua desconfiança.
A meninazinha desatou o lenço e derramou sobre o balcão um punhado de moedas.
- Quebrei meu cofre – explicou ela, com simplicidade, e ficou esperando tranquilamente.
Peter Richard fitou-a com ar pensativo. Depois, prudentemente, pegou novamente o colar. A menina não podia ter lido a etiqueta pequena. Como dizer-lhe a verdade? O olhar azul, tão confiante, despertou subitamente nele a dor de uma ferida sempre viva.
- Espere um pouquinho! – disse ele, dando-lhe as costas.
Depois, por cima do ombro, perguntou-lhe amavelmente, absorvendo-se num trabalho aparentemente minucioso:
- Como se chama, filhinha?
- Joan Grace.
Quando Peter virou-se, tinha na mão um embrulho de papel de sêda vermelho, amarrado com um laço verde.
- Toma – disse ele, simplesmente – e presta atenção, não o percas no caminho.
A meninazinha saiu, dirigindo-lhe um sorriso radiante. Ele seguiu-a com os olhos, invadido por uma onda de tristeza. Aquela linda criança e seu colar tornavam a mergulhá-lho em seu desgosto habitual. Os cabelos de Joan Grace eram louros como o trigo, seus olhos, azuis como o mar. E, num passado ainda próximo, Peter amara uma moça que tinha os cabelos louros como os dela, e os olhos do mesmo azul. O colar de turquesas cintilantes era para ela.
Mas bastara uma derrapagem de um caminhão numa estrada escorregadia, numa noite chuvosa, para matar aquele belo sonho.
Desde então, Peter Richard vivia solitário, remoendo sua dor. Dava a seus fregueses uma atenção cortês, mas a vida parecia-lhe terrivelmente vazia. Concentrado em si mesmo, acabrunhado pelo desgosto, mergulhava pouco a pouco num desespero cego.
Durante os dez dias que se seguiram à visita de Joan, os negócios andaram bem. Conversando alegremente, os transeuntes entravam, examinavam os objetos, regateavam. Já era tarde, na véspera de Natal, quando o último cliente partiu. Peter Richard suspirou aliviado, ao fechar as gavetas da caixa. Por fim, terminara. Mas enganava-se.
A porta abriu-se e entrou uma mocinha, como um pé-de-vento. Peter sentiu que aquele rosto lhe era conhecido, embora não soubesse dizer onde e quando o tinha visto. Os cabelos da visitante eram de um louro quente, os olhos de um azul profundo. A moça tirou da bolsa um embrulhinho de papel de sêda vermelho. As turquesas brilharam sobre o balcão.
- Esse colar é de sua loja, senhor?
- Sim – respondeu Peter, baixinho. – Com efeito, é daqui senhorita.
- E as pedras são verdadeiras?
- Certamente. Não de primeira qualidade, mas verdadeiras.
- O senhor se lembra a quem o vendeu?
- A uma meninazinha, há uns dez dias. Chama-se Joan. Quer dá-lo de presente de Natal a sua irmã mais velha.
- Quanto vale?
- Não digo nunca o preço que um freguês pagou – respondeu Peter, gravemente.
- Joan nunca tem mais que alguns trocados na bolsa. Como é que ela pôde comprar esse colar?
Mas Peter já estava refazendo o embrulho, dobrando e alisando o papel com cuidado. Tinha acabado de dar o laço na fita e contemplou sua interlocutora com ar sonhador.
- Ela pagou mais caro do que qualquer pessoa – disse ele. – Deu tudo o que possuía.
Um grande silêncio encheu a lojinha de repente. Depois, em algum campanário das vizinhanças, um carrilhão começou a tocar. Uma estranha sensação de renovação invadiu o coração de Peter.
- Mas por que o senhor fez isso?
- Hoje é Natal – respondeu Peter, entregando o embrulhinho à sua visita. – E, para minha infelicidade, não tenho ninguém a quem dar um presente. Permite-me acompanhá-la até em casa e, lá, desejar-lhe um feliz Natal?
E foi assim que, ao som dos sinos, no meio de uma multidão alegre, Peter Richard e uma moça cujo nome ele ainda nem sabia, entraram no dia que enche de esperança o coração dos homens.
Lí este conto natalino, quase pueril, ainda criança, aos dez anos de idade. Fazia parte do Livro da Juventude, uma publicação anual das Seleções do Reader's Digest, na sua edição de 1968.
Apesar da singeleza do texto, a mensagem que o autor tentou passar ficou profundamente marcada desde sempre no meu ser: a de que, independente do valor nominal das coisas, o mais importante é o quanto voce se propõe a se dar para conseguí-lo.
Fico imaginando, às vezes, em que espécie de mundo viveríamos, se as pessoas se permitissem a dar tudo que tivessem, em troca da alegria dos outros.
No dia em que a pequenina Joan Grace abriu a porta de sua loja, Peter Richard era realmente o homem mais solitário da cidade.
Ele tinha herdado de seu avô uma loja de antiguidades. Na vitrina minúscula, apinhavam-se os objetos mais heterogêneos: pulseiras, medalhões do século passado, anéis de ouro, caixinhas de prata, jades e marfins esculpidos, figurinhas de porcelana.
Naquela tarde, uma meninazinha estava diante da vitrina, a testa apoiada no vidro. Seus olhos enormes estudavam atentamente cada um daqueles tesouros, como se procurassem alguma coisa. Por fim, ela endireitou-se, com um ar satisfeito, e entrou na loja.
O interior estava ainda mais atulhado do que a frente. As prateleiras quase desabavam sob o peso das caixinhas de jóias, pistolas antigas, relógios e lâmpadas, enquanto que sobre o assoalho amontoavam-se velhos cães de chaminé, bandolins e toda espécie de velharia bem difícil de catalogar.
Peter estava atrás do balcão. Embora tivesse pouco mais de trinta anos, seus cabelos já estavam grisalhos. Contemplou a menina com um ar tristonho.
- Meu senhor – disse ela – posso olhar de perto o colar de pérolas azuis que está na vitrina?
Peter afastou a cortina e apanhou o objeto. As turquesas brilharam com vivo esplendor na palma da mão que ele estendeu com indiferença para a jovem freguesa.
- Que lindo! – disse a criança. – Faça o favor de fazer um embrulho bem bonito, sim?
Peter examinou-a com um olhar um tanto frio.
- Alguém mandou você buscar esse colar?
- Não. É para minha irmã mais velha. É ela que me cria. É o primeiro Natal que passamos juntas, depois que mamãe morreu. Quero dar-lhe um bonito presente.
- Quanto é que você tem? – perguntou Peter, sem procurar esconder sua desconfiança.
A meninazinha desatou o lenço e derramou sobre o balcão um punhado de moedas.
- Quebrei meu cofre – explicou ela, com simplicidade, e ficou esperando tranquilamente.
Peter Richard fitou-a com ar pensativo. Depois, prudentemente, pegou novamente o colar. A menina não podia ter lido a etiqueta pequena. Como dizer-lhe a verdade? O olhar azul, tão confiante, despertou subitamente nele a dor de uma ferida sempre viva.
- Espere um pouquinho! – disse ele, dando-lhe as costas.
Depois, por cima do ombro, perguntou-lhe amavelmente, absorvendo-se num trabalho aparentemente minucioso:
- Como se chama, filhinha?
- Joan Grace.
Quando Peter virou-se, tinha na mão um embrulho de papel de sêda vermelho, amarrado com um laço verde.
- Toma – disse ele, simplesmente – e presta atenção, não o percas no caminho.
A meninazinha saiu, dirigindo-lhe um sorriso radiante. Ele seguiu-a com os olhos, invadido por uma onda de tristeza. Aquela linda criança e seu colar tornavam a mergulhá-lho em seu desgosto habitual. Os cabelos de Joan Grace eram louros como o trigo, seus olhos, azuis como o mar. E, num passado ainda próximo, Peter amara uma moça que tinha os cabelos louros como os dela, e os olhos do mesmo azul. O colar de turquesas cintilantes era para ela.
Mas bastara uma derrapagem de um caminhão numa estrada escorregadia, numa noite chuvosa, para matar aquele belo sonho.
Desde então, Peter Richard vivia solitário, remoendo sua dor. Dava a seus fregueses uma atenção cortês, mas a vida parecia-lhe terrivelmente vazia. Concentrado em si mesmo, acabrunhado pelo desgosto, mergulhava pouco a pouco num desespero cego.
Durante os dez dias que se seguiram à visita de Joan, os negócios andaram bem. Conversando alegremente, os transeuntes entravam, examinavam os objetos, regateavam. Já era tarde, na véspera de Natal, quando o último cliente partiu. Peter Richard suspirou aliviado, ao fechar as gavetas da caixa. Por fim, terminara. Mas enganava-se.
A porta abriu-se e entrou uma mocinha, como um pé-de-vento. Peter sentiu que aquele rosto lhe era conhecido, embora não soubesse dizer onde e quando o tinha visto. Os cabelos da visitante eram de um louro quente, os olhos de um azul profundo. A moça tirou da bolsa um embrulhinho de papel de sêda vermelho. As turquesas brilharam sobre o balcão.
- Esse colar é de sua loja, senhor?
- Sim – respondeu Peter, baixinho. – Com efeito, é daqui senhorita.
- E as pedras são verdadeiras?
- Certamente. Não de primeira qualidade, mas verdadeiras.
- O senhor se lembra a quem o vendeu?
- A uma meninazinha, há uns dez dias. Chama-se Joan. Quer dá-lo de presente de Natal a sua irmã mais velha.
- Quanto vale?
- Não digo nunca o preço que um freguês pagou – respondeu Peter, gravemente.
- Joan nunca tem mais que alguns trocados na bolsa. Como é que ela pôde comprar esse colar?
Mas Peter já estava refazendo o embrulho, dobrando e alisando o papel com cuidado. Tinha acabado de dar o laço na fita e contemplou sua interlocutora com ar sonhador.
- Ela pagou mais caro do que qualquer pessoa – disse ele. – Deu tudo o que possuía.
Um grande silêncio encheu a lojinha de repente. Depois, em algum campanário das vizinhanças, um carrilhão começou a tocar. Uma estranha sensação de renovação invadiu o coração de Peter.
- Mas por que o senhor fez isso?
- Hoje é Natal – respondeu Peter, entregando o embrulhinho à sua visita. – E, para minha infelicidade, não tenho ninguém a quem dar um presente. Permite-me acompanhá-la até em casa e, lá, desejar-lhe um feliz Natal?
E foi assim que, ao som dos sinos, no meio de uma multidão alegre, Peter Richard e uma moça cujo nome ele ainda nem sabia, entraram no dia que enche de esperança o coração dos homens.
Lí este conto natalino, quase pueril, ainda criança, aos dez anos de idade. Fazia parte do Livro da Juventude, uma publicação anual das Seleções do Reader's Digest, na sua edição de 1968.
Apesar da singeleza do texto, a mensagem que o autor tentou passar ficou profundamente marcada desde sempre no meu ser: a de que, independente do valor nominal das coisas, o mais importante é o quanto voce se propõe a se dar para conseguí-lo.
Fico imaginando, às vezes, em que espécie de mundo viveríamos, se as pessoas se permitissem a dar tudo que tivessem, em troca da alegria dos outros.
amarelou ?
ResponderExcluir