segunda-feira, 28 de novembro de 2011

DIANTE DE MIM

DIANTE DE MIM,
TENDO EU MESMO POR TESTEMUNHA
E SOB PENA DE PERDER O RESPEITO POR MINHA PRÓPRIA PALAVRA,
EU ME COMPROMETO A BUSCAR E DEFENDER QUALIDADE DE VIDA
EM TUDO QUE EU FAÇO E EM TODOS OS LUGARES ONDE EU ESTIVER.
E ME COMPROMETO A ESTAR PRESENTE AQUI E AGORA
A DESPEITO DO PRAZER OU DA DOR QUE ESTE MOMENTO ME TRAZ
FAZENDO A PARTE QUE ME CABE
DO MELHOR MODO QUE EU SEI,
SEM ME QUEIXAR DO MUNDO, NEM CULPAR OS OUTROS
POR MEUS ERROS E FRACASSOS,
MAS ANTES ME ACEITANDO IMPERFEITO, LIMITADO E HUMANO.
E MESMO QUE TUDO RECOMENDE O CONTRÁRIO,
EU ME COMPROMETO A AMAR, CONFIAR E TER ESPERANÇA
SEM QUAISQUER LIMITES OU CONDIÇÕES.
E, EMBORA EU SÓ POSSA FAZER PEQUENO,
EU ME COMPROMETO A PENSAR GRANDE
E A PREPARAR-ME COM DISCIPLINA E CORAGEM
PARA OS IDEAIS QUE AINDA ESPERO E VOU ALCANÇAR,
SABENDO QUE TUDO COMEÇA SIMPLES E SINGELO.
DE CORPO, CABEÇA E CORAÇÃO,
EU ME COMPROMETO CRESCER MUITO E SEMPRE,
DE TODOS OS MODOS POSSÍVEIS,
DE TODOS OS JEITOS SONHADOS.

(GERALDO EUSTÁQUIO)

domingo, 20 de novembro de 2011

PRETO NO BRANCO

     
     Eu havia recém completado onze anos, quando os americanos, em 20 de julho, pisaram pela primeira vez na Lua, naquela que foi considerada a maior aventura do homem. O ano era 1969 e menos de um mês depois acontecia Woodstock, o famoso festival que exponenciou a contracultura e popularizou o movimento hippie e a sua máxima de “paz e amor”, refrão daquela geração e das proximamente subseqüentes.
     Os tempos eram de mudanças drásticas e repentinas. Em outubro daquele semestre, Médici, o chefe do SNI à época do AI-5, tomava posse como presidente do Brasil, para realizar o governo mais repressivo e obscuro da história do país. E em novembro, Pelé marcava seu milésimo gol, bradando, durante a comemoração e em tom de alerta, a necessidade de se direcionar cuidados à infância abandonada da nação; profecia não ponderada pelas autoridades e de conseqüências nefastas tão conhecidas por nós.
     E em dezembro, como de costume, eu desembarcava no casarão dos meus avôs, para mais uma das inesquecíveis férias da série “ser feliz é tudo que se quer”.
     O sobrado dos velhos ficava no centro de Fortaleza, era estreito e comprido, com ambientes espaçosos, um quintal de muitas plantas, que se integrava prazerosamente com a parte aberta posterior do imóvel e, nos altos, voltado para a rua, um quarto enorme com sacada, local onde invariavelmente me instalava em redes embaladas por sonhos e anseios primaveris; e também por resenhas musicais, sociais ou esportivas irradiadas pelo principal meio de comunicação de uma era ainda existente, o rádio.
     Na noite da sexta-feira que antecedeu o Natal, confortavelmente estendido na minha “philomeno”, balançando-me ao ranger dos armadores, acompanhava atentamente no meu aparelhinho de pilhas, uma das partidas finais do campeonato norte-nordeste de futebol, disputado entre as equipes do Ceará, campeão da região nordeste - e pela qual já nutria uma inexplicável empatia - e a do Remo, clube do Pará e campeão da região norte.
     O escrete alencarino havia sido batido no primeiro jogo da série, em Belém, pelo placar de 2x1 e se via na obrigação de devolver o resultado e forçar uma terceira contenda. Caso contrário, veria o Leão Azul levantar a taça mais cobiçada do futebol fora do eixo SP/RJ, as potências do esporte daquele tempo.
     Foram momentos tensos. O time do Ceará perdia de 2x0 até a metade do segundo tempo, mas o destino iria modificar, com uma pilheriedade incomum, a história do clube e, porque não dizer, a minha também.    
      Não sei se por falta de artifícios visuais, mas a impressão que eu tenho é que os narradores de antigamente traduziam mais facilmente em palavras o que presenciavam, reportando com mais vivacidade o que os seus olhos viam. O fato é que fui completamente absorvido pelo magistral “crooner” e transportado, pelo esfuziante entusiasmo do radialista, para dentro da cancha desportiva.
     Parte da torcida já abandonava o estádio quando, aos 22 minutos Magela descontou, reacendendo a chama e a esperança do que já parecia perdido. Mais dez minutos, Zezinho empatou a partida e colocou fogo no velho PV.  E no finalzinho, aos 43, Gildo, o maior goleador da trajetória do “Vovô” em todos os tempos, numa cabeçada certeira, tornou realidade o que apenas vinte minutos antes parecia impossível. A primeira virada a gente nunca esquece!
     Já existia profissionalismo no futebol cearense de então, mas havia também muito amor às agremiações e isso era notório, evidente. Gildo comemorou tanto o seu improvável feito que desmaiou em campo de tanta emoção. A mesmíssima emoção que o tresloucado locutor transmitiu e que fez com que eu não conseguisse dormir por algumas horas.
     Iria acontecer uma decisiva peleja. E eu não poderia deixar de estar lá e testemunhá-la.
    Assim, no domingo seguinte à tarde, saí de casa decidido – bons tempos aqueles em que garotos não corriam perigo em deslocamentos urbanos solitários – e caminhei ansiosamente pela longa Senador Pompeu até a Gentilândia.  Adentrei a praça esportiva embasbacado: era tudo muito grande, ou eu era muito pequeno... ou os dois. Arquibancadas apinhadas de torcedores, um burburinho inquietante, a apreensão pela batalha. O show estava para começar.
     Mesmo vivenciando uma situação inusitada e no meio daquela algazarra toda, me senti tranqüilo. Ainda não existia nos estádios espaços delimitadores para facções distintas, nem torcidas uniformizadas ou organizadas. O espaço era democrático, camisas azuis e alvinegras dividiam os lugares harmoniosamente. Lembro-me de ter visto, inacreditavelmente aos dias atuais, várias bandeiras adversárias atadas com nós nas extremidades, em gestos elegantes de aceitação e amizade, já perdidos no tempo, lamentavelmente. Haveria uma rixa ali, mas ela se restringiria às linhas demarcatórias do gramado.
     E foi o que aconteceu. Eu já gostava de futebol desde sempre e não desperdiçava uma única oportunidade sequer de praticá-lo, mas nunca antes tivera a oportunidade de admirar toda a plasticidade do maravilhoso esporte de maneira tão patente. Encostado ao alambrado, sentidos aflorados, pude ouvir o som seco da bola sendo atingida com violência, perceber o esforço dos jogadores, bufando vigorosamente pela disputa da pelota; escutar a troca de palavreado, numa modalidade também exercida com o gogó, e suas subjetividades decorrentes, como a catimba e a malandragem, existentes e manifestas ao contato auditivo.
     Para um batismo, o resultado não poderia ser mais gratificante. Com gols de Gildo, Magela e Gojoba, o Ceará marcou 3x0 e se tornou campeão do Norte e Nordeste do Brasil de 1969. E eu me tornei, inexorável e irremediavelmente, torcedor do mais querido.
     Ao trinar derradeiro do árbitro Romualdo Arpi Filho, as demonstrações de alegria incontida, gritos, muito choro e extravasada emoção apenas confirmaram o que eu já me apercebera: eu encontrara definitivamente o meu ambiente. E desde então, amo este time como uma extensão de mim mesmo.