terça-feira, 30 de novembro de 2010

North-American B-25 Mitchell



Meu pai era tenente especialista da Força Aérea Brasileira, servindo no 1/4º Grupo de Aviação de Caça, sediado, àquela época, em Fortaleza, quando, em 1964, o governo adquiriu para o seu esquadrão, alguns aviões Lockheed T – 33 Shooting Star, monorreatores à jato, utilizados para treinamento.
Teve então, como encarregado da manutenção dessas aeronaves, que ir buscá-las nos EUA e passar alguns meses na fábrica, em Maryland, uma enorme indústria de produtos aeroespaciais, aprendendo os segredos da “criança” e se tornando, com isso, um expert em veículos movidos a reatores.
Este fato foi preponderante para que, quando, no ano seguinte, o Ministério da Aeronáutica criasse a Barreira do Inferno, o primeiro campo de lançamento de foguetes do país, no Rio Grande do Norte, ele fosse chamado a integrar, como técnico, o seu quadro de funcionários.
E por causa disso, fui residir dentro da Base Aérea de Natal, onde morei durante três anos, até que ele passasse à reserva, em 1970.


Apesar de não ser o ponto mais oriental do Brasil, Natal é a capital brasileira mais próxima da África e a rota até Dakar, no Senegal, foi a mais utilizada pelos pioneiros da aviação transatlântica no hemisfério sul, quando a autonomia dos aviões tinha, pelo elevado consumo e a baixa velocidade, várias limitações.
Por esse motivo geográfico, os norte-americanos criaram, durante a II Guerra Mundial, uma enorme estrutura aeroviária para servir de apoio ao que se chamaria depois “Trampolim da Vitória”.


O espaço em que a base está instalada é enorme, em se tratando de um aeródromo. São mais de 1200 hectares de superfície. Mas, o que impressiona mesmo é a quantidade de equipamentos que os ianques ali deixaram.

Pode-se dizer que seja uma pequena cidade, maior até que alguns pequenos municípios do interior do estado. Tem de tudo lá: supermercados, lavanderias, cinemas, igreja, hospital, vilas para oficiais, sargentos, cabos e soldados e seus respectivos cassinos; incontáveis quadras esportivas, pistas de atletismo, campos de futebol, drive-in, clubes, anexos para civis e pessoas em trânsito, oficinas, hangares e um sem número de galpões, muitos abandonados, sem finalidade nos dias atuais.


Morava numa vila com cinqüenta casas, todas de oficiais aviadores, intendentes ou especialistas e possuía muitos amigos da minha idade. Desfrutávamos, as crianças filhas de oficiais, de algumas regalias e acesso quase irrestrito a todas as dependências da base. E tínhamos, através das nossas bicicletas, meio de nos locomovermos livremente naquele mundaréu de vias asfaltadas, fazendo, em grupo, ou mesmo sozinhos, estripulias impensáveis para garotos de outros ambientes.


Assim, descíamos através dos respiradouros dos paióis de bombas, passeando entre artefatos explosivos de mil e quinhentas libras, numa quantidade assustadora, armazenados em casas-matas escondidas no meio do mato, dez ou quinze metros abaixo do solo; ou, nos abaixávamos entre o capinzal existente nas cabeceiras das pistas de pouso, enquanto formações de Aerotec T-23 Uirapurú em treinamento, passavam raspando sobre nossos cabelos para aterrissarem e aí pegávamos nossas bikes e saíamos atrás dos aviões em desabalada carreira; até que a Kombi do CAN, alertada pela torre de controle, viesse nos retirar dali, com integrantes nitidamente aborrecidos pela nossa presença em local não permitido, mas com a cautela verbal que a prudência recomendava quanto aos descendentes dos seus superiores. Adorava peregrinar pelos setores mecânicos e sempre íamos até os Serviços Gerais, onde sucatas de aeronaves viravam nossos brinquedos e onde se encontrava um exemplar de um B-25, naquele tempo com o estado de conservação bastante sofrível.


Ontem retornei, depois de quarenta anos, à Base Aérea de Natal. Fui com meu pai, atualizar seus dados cadastrais, exigência anual do comando aos seus reservistas. Ele aproveitou que se encontrava na capital potiguar, para fazê-lo pessoalmente e quando adentrei o velho quartel, próximo ao setor de inativos, não pude deixar de me emocionar com a visão daquele antigo avião, totalmente reformado, lindo, altivo, demonstrando soberbamente toda a sua galhardia.




Transportei-me imediatamente para momentos do passado, quando um garoto magricela corria por dentro daquela fuselagem, imaginando-se um ás da pilotagem, instalado na carlinga de comando, manche às mãos, controle absoluto. O verdadeiro rei da nacele; ou então, fazendo-se artilheiro, disparando impiedosamente suas metralhadoras Brownings nos bojos de cauda ou de nariz contra os caças Stukas ou Messerschmitts alemães, abatidos magistralmente com uma precisão invejável.


Adoro máquinas, mas particularmente, amo aviões, os mais maravilhosos brinquedos já inventados pelo homem. Cresci ao lado deles, sentindo o cheiro do querosene crispar minhas narinas, escutando seus motores roncar até tremer minha medula, vibrando com rasantes e acrobacias espetaculares, escutando conversas de caserna entre pilotos sobre seus feitos heroicos. Acho alguns modelos primorosos, clássicos, magníficos. Porém os Mitchells, com sua cauda de duplo leme e sua porta na barriga, são para mim uma obra de arte.
E tudo por causa do 5133, o meu avião, companheiro de tantas missões, num tempo em que a imaginação é que alçava os ares, somente para me fazer feliz!



Este aeroplano foi utilizado pelo 5º GAv de 1947 a 1957, na formação de pilotos de bombardeio, tendo voado mais de 50.800 horas em Natal.